BRASIL DE LUTO -MORRE SILVIO SANTOS, O HOMEM DO BAÚ

GERAL
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Há quase 60 anos, os domingos ganharam um rosto, um nome e uma voz. Desde 1963, quando foi ao ar pela primeira vez o “Programa Silvio Santos”, o apresentador e empresário tornou-se uma das figuras televisivas mais presentes na vida dos brasileiros. Criador de um dos maiores grupos de comunicação do país, o Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), Silvio Santos marcou como poucos a história da TV e da cultura nacionais. O apresentador e empresário morreu neste sábado, aos 93 anos, em São Paulo.

Primogênito de dois imigrantes judeus sefarditas que vieram para o Brasil em 1924, Senor Abravanel, seu nome de batismo, nasceu em 12 de dezembro de 1930, no bairro da Lapa, no Rio de Janeiro. Com um de seus quatro irmãos, Leon, começou a vender nas ruas da então capital brasileira capinhas plásticas para guardar título de eleitor, nas eleições de 1946. Era seu primeiro passo como empreendedor, aos 14 anos.

Aos 20 anos, decidiu mudar-se para São Paulo, onde iria apresentar espetáculos e sorteios em caravanas de artistas. Na Rádio Nacional, onde era locutor, conheceu o ator, humorista e autor Manoel de Nóbrega. O criador da “Praça da Alegria” estava em dificuldades para administrar uma empresa de venda de brinquedos por prestações em carnês mensais, chamada Baú da Felicidade. Silvio assumiu o empreendimento, que em1962 viria a se tornar o Grupo Silvio Santos, quando, além de brinquedos, passaria a financiar eletrodomésticos, carros e até casas. O grupo também ganhou um braço financeiro, em 1969, que daria origem ao Banco PanAmericano.

Estreia na TV

 

A carreira de Sívio Santos na TV teve início como uma estratégia para promover o Baú da Felicidade. O empresário comprava horários de meia-hora na faixa nobre das noites de segunda-feira, na TV Paulista, para exibir o programa ” Vamos brincar de forca”. Na atração, clientes em dia com o carnê do Baú eram sorteados para participar de um jogo da forca no estúdio, no qual concorriam a prêmios.

Três anos depois, o apresentador comprou parte do horário do domingo da mesma emissora, onde estreou, em 2 de junho de 1963, o “Programa Silvio Santos”. Com a venda do espólio da TV Paulista para a recém-inaugurada TV Globo, em 1965, o programa passou a fazer parte da grade da emissora carioca, com o apresentador indo ao ar inicialmente apenas em São Paulo e, depois de 1969, em cadeia nacional.

Com o sucesso na telinha e nos negócios, o empresário planejava ter sua própria TV, o que consegue em 1975. Inicialmente batizada de TVS, no canal 11 do Rio, a emissora passou a se chamar Sistema Brasileiro de Televisão, ou simplesmente SBT, quando o grupo ganhou a concessão de outros quatro canais, em 1981.

Nos anos 1980, o apresentador tornou-se definitivamente parte do imaginário nacional ao consolidar algumas das principais atrações do Programa Silvio Santos, desde o “Domingo no Parque”, infantil que abria a maratona, até o horário nobre, com destaques como o “Qual é a música”, “Topa tudo por dinheiro” e “A porta da esperança”.

Silvio Santos e Augusto Liberato, o Gugu, em 1988 — Foto: Antonio Carlos Piccino / Agência O Globo - 16/04/1988
Silvio Santos e Augusto Liberato, o Gugu, em 1988 — Foto: Antonio Carlos Piccino / Agência O Globo – 16/04/1988

Mas foi o “Show de calouros” que se tornou a marca registrada das noites de domingo no país. Exibida desde 1977, a atração ganhou seu formato mais lembrado na década de 1980, com a bancada de jurados que incluiu, ao longo dos anos, nomes como a cantora Aracy de Almeida, os jornalistas Décio Piccinini, Nelson Rubens e Sônia Abrão, a bailarina Flôr, a atriz Sônia Lima, o ator Pedro de Lara e o humorista e apresentador Sérgio Mallandro.

Em 1988, o apresentador propôs sua candidatura à prefeitura de São Paulo pelo Partido da Frente Liberal (PFL), mas não levou a disputa à frente. No ano seguinte, quando o país preparava-se para sua primeira eleição presidencial após 25 anos, incluindo 21 anos de ditadura e outros quatro anos do governo de José Sarney — vice que assumiu após a morte de Tancredo Neves, eleito indiretamente pelo Congresso em 1985 —, Silvio Santos decidiu lançar-se candidato pelo inexpressivo PMB (Partido Municipalista Brasileiro). Os planos, contudo, foram frustrados quando o TSE cassou a candidatura a seis dias do primeiro turno, por entender que o PMB não havia cumprido todos os requisitos para concorrer ao pleito e que o apresentador estaria inelegível por ser dirigente de uma rede de TV, utilizando uma concessão pública. Depois, não voltou a se candidatar a nenhum cargo público.

A partir da década de 1990, Silvio reduz gradativamente seu tempo aos domingos, dividindo a tela como outras estrelas da casa, como o apresentador Gugu Liberato (que trocou em 1993 o “Viva a noite”, atração noturna do sábado, pelo vespertino “Domingo legal”), Eliana e Celso Portiolli.

Em 2001, o apresentador foi homenageado no carnaval carioca com o enredo “Hoje é domingo, é alegria. Vamos sorrir e cantar”, da Tradição. O desfile da escola do Campinho, que destacou a trajetória do apresentador desde os tempos de camelô, contou com a presença do próprio, além de outras estrelas do SBT, como Gugu Liberato, Hebe Camargo, Ratinho e Carlos Alberto de Nóbrega.

Silvio Santos e Patrícia Abravanel depois que ela foi libertada — Foto: Fernando Pereira/Diário Popular
Silvio Santos e Patrícia Abravanel depois que ela foi libertada — Foto: Fernando Pereira/Diário Popular

Polêmicas e pausa na TV

 

Em 2003, Silvio concedeu uma entrevista à revista “Contigo”, quando estava em Orlando, na Flórida, dizendo que tinha uma doença terminal e que havia vendido o SBT. As declarações, feitas como uma brincadeira, foram publicadas na revista, e desmentidas dias depois pelo apresentador. Nos últimos anos, os comentários sem filtro de Silvio, como quando brincava de forma considerada inadequada com convidadas do programa, causaram mais polêmica, principalmente nas redes sociais.

Após vender o Banco PanAmericano e o Baú da Felicidade, o grupo Silvio Santos vem apostando no mercado de cosméticos, com a Jequeti, e em um empreendimento hoteleiro, o Sofitel Jequitimar, no Guarujá, no litoral paulista.

O apresentador é tema de quatro biografias: “Silvio Santos — A trajetória do mito” ( Fernando Morgado); “Silvio Santos — A biografia” (Anna Medeiros e Marcia Batista); “A fantástica história de Silvio Santos” (Arlindo Silva) e “Silvio Santos — Vida, luta e glória” (Rubens Francisco Lucchetti). Sua trajetória também deu origem a um documentário dirigido por Leonor Corrêa em 2015, para comemorar seus 85 anos, mas exibido apenas em agosto de 2021, a pretexto dos 40 anos do SBT, completados no mesmo ano. O projeto tem apresentação de Marília Gabriela e depoimentos de nomes como Pelé, Roberto Carlos e Gilberto Gil. A série “O rei da TV”, também baseada em sua trajetória, estreou em 2022 na Star+ e já teve suas temporadas, com José Rubens Chachá no papel de Silvio Santos. Em 2020, o musical “Silvio Santos vem aí” estreou no Teatro Santander, em São Paulo, mas teve a temporada interrompida após três apresentações, por conta da pandemia.

Em 2020, Silvio havia parado de apresentar seu programa, pelo risco do coronavírus, aparecendo na atração apenas em reprises. Após ser vacinado, em 2021, ele voltou a gravar, depois de mais de um ano longe dos estúdios. Mas, ao testar positivo, se afastou novamente e foi substituído pela filha Patrícia Abravanel. Ao ser vacinado com a segunda dose, o apresentador falou ao programa “Intervenção”, exibido no YouTube: “Hoje é um dia importante porque estou levantando com vida. E o dia que eu não levantar com vida não será um dia importante”.

Em abril de 2022, Silvio retornou ao SBT, mas se afastou novamente em junho. No dia 15 de outubro, foram celebrados os 60 anos do Programa Silvio Santos, sem a participação do apresentador. Comandando a atração, Patrícia Abravanel se emocionou com a homenagem. Desde então, ela está a frente do Programa Silvio Santos.

No início de novembro de 2023, Cintia Abravanel, a filha mais velha do empresário, disse que o pai, que não era visto na TV desde setembro de 2022, tinha dificuldade para lidar com as limitações impostas pela idade e, por isso, preferia não fazer aparições públicas. “O Silvio Santos que vocês querem está no YouTube. Ele não é mais aquela pessoa. Para ele, também deve estar sendo difícil não ser mais aquela pessoa. Ele fala: ‘Não gostei de brincar disso… Ficar velho é muito ruim. Dói tudo, o corpo dói’. Para o lado artístico dele, é difícil. Ele não veste o corpo velho. E as pessoas não se tocam que aquele Silvio Santos não existe mais”, disse a artista visual, mãe de Lígia, Lilian e Tiago Abravanel, em entrevista à apresentadora Christina Rocha, no podcast Christina PodTudo.

Em 18 de julho, Silvio Santos havia sido internado no hospital Albert Einsein por um quadro de H1N1. Ele recebeu alta no dia 20 daquele mês, mas voltou a ser internado no mesmo local no dia 1° de asgoto.

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